segunda-feira, 21 de abril de 2014

"O amor da gente é como um grão"


Recordo-me de ouvir esta versão em jovem, pelos meus 12 anos. Já na altura anunciava um entendimento surpreso pela complexidade da letra que o Sr. Caetano cantava. 


Usava palavras que não entendia mas sabia, recordo-me, que haveria uma verdade mais profunda na composição: não era das músicas simples que passavam na rádio. As sílabas ajustavam-se na perfeição quase impossível que na altura só tinha descoberto ainda em Antero e Camões. Soava a obra-prima. 

Talvez a forma mais perfeita de descrever Amor, em menos de três minutos.


Drão.


domingo, 20 de abril de 2014

Cartas ao vento

Amigo, 

Trato-te desta forma porque é assim que te vejo. Conhecemo-nos há uns anos e foram raros os momentos em que de facto nos acompanhámos, mas temos noção da natureza e genuinidade um do outro como poucos o têm. 

Hoje pensei em ti. 

Pensei em ti porque me mudei de novo e no remexer de tralhas várias encontrei um papel solto com notas numa caligrafia que não é a minha.  

Destacam-se palavras isoladas: buddha, barty, silk... creio que sejam as notas que tiraste enquanto preparávamos o teu cv.

Já se passou uma eternidade desde esse sábado. Uma eternidade com certeza maior para ti, pelo avolumar de acontecimentos. 

Tenho sabido pouco de ti e o que me tem chegado incomoda-me. Receio mais pelo que não se diz de ti do que pelo que em verdade se conta. Voltando à minha 1a linha, na condição de teu Amigo, na condição de quem te ama e te quer bem, quero deixar-te um abraço de apoio e força. 

Peço-te que vivas tudo quanto tenhas para viver nesta fase. Mas que não te deixes afundar neste ciclo de excessos...

Requer mais força sermos quem queremos ver no espelho.
Requer mais força sermos o farol de exemplo que queremos ver seguido. 

Mas tu tens essa força e eu orgulho-me dela. 

Se não mais, que esta mensagem sirva para que te lembres disso. 


Abraço, 
Amigo.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Um Caminho Recto Por Florir




Tentei fechar a porta em silêncio. 

Ouço um clique antes de tempo e reparo que o teu vizinho da frente se esforçava pelo mesmo. Uma situação curiosa dado ao espaço reduzido entre as duas portas... 

Seguem-se os bons dias e a cedência de passagem à escada que leva à porta de entrada encravada, que não fecha, e que sei que ao escrever dela aqui saberás que este texto fala de ti. 

Ainda não pus o pé na rua mas sinto-me como se nunca me devesse ter afastado do teu abraço. 

Deixei no primeiro andar o escuro do teu quarto, o cheiro a cera da sala e o aquecedor ligado que ainda não entendi bem como funciona... Também não sei ainda se trouxe vestida a minha ou a tua pele.

Tem o teu cheiro, o teu toque e definitivamente a vontade de estar grudado em ti... é possível que me tenha enganado... 

Depois devolvo. 

Rumo ao cais e peço um café com canela... algo que me acorde e purifique. Um beliscão amargo para me acordar as ideias e me trazer a alma de volta dos teus cobertores.

Oh alma minha, que vens retraçada e fria.... 

Tanta confusão, tanto desejo domado, tamanho querer restringido, tantos "Sim" mascarados em fogosos e sedentos "Não"... tantas amarras que te prendem ao mundo e à mortificação da tua vontade... quando tudo em ti quer ser livre para sangrar sentimentos e rasgar verdades...

Se ao menos te conseguisse ensinar que tudo na vida vem de mão dada... se te conseguisse explicar ao alcance de uma noite a essência da existência feliz e inconsequente...

Se te conseguisse explicar por palavras que a vida quer ser vivida. Que evitar viver é um eufemismo fatal, e que "cadáveres adiados que procriam" andamos até que nos apercebamos disso...

Se o menos conseguisse explicar-te por palavras de Eckhart que nada neste mundo é certo, por ensinamentos de Platão que o sofrimento compensa a busca e por Gibran que nada é nosso que não seja ilusão... 

E por palavras minhas que tudo o que temos é isto... 

Um caminho recto por florir.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Vida Em Tons de Verde





Vejo a vida em tons de verde. Todos os que possam existir estão ao alcance da minha janela.

É um verde despreocupado com o tempo que demora a crescer... vai re-ocupando aos poucos afinal tudo quanto a minha vista alcança já lhe pertenceu. Decora na mesma medida que dá sinais de deterioração à fábrica que vejo daqui.

"Era de cereais", disse-me a senhoria. Em restando alguns, neste momento servem de alimento apenas ao musgo das paredes e aos canteiros em que se tornaram as goteiras.

É uma guerra interessante...  a vegetação harmoniza-se com a edificação até a deitar por terra...

Destoam os edifícios circundantes, repletos de gente demasiado ocupada para estar à janela, demasiado preocupada com o que dar à vida... Sem a calma ou a clareza de espírito necessária para absorver o que a vida tem para nos dar a nós.

Ontem revivi-me neste espaço.

Encontrei-me a seguir duas fontes de juventude, de traves em riste ( para qualquer eventualidade), que de canto em canto, toldo em toldo, porta em porta, exploravam o espaço abandonado.

Fui tantas vezes esse explorador longe de destemido. Recordo-me de também andar munido de um qualquer pau, na certeza de que o abandonaria a troco de 100m de corria livre ao menor sinal de presença.

Saíram frustrados, como tantas vezes saí, sem conseguirem acesso ao precioso tesouro que se encontra por certo dentro do edifício: o tesouro da descoberta.

Deixaram a sua marca a grafitti numa das paredes....

Pintaram uma flor...

Imagine-se




sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

(re) Visita

Não tenho uma visão cíclica da vida. Pertenço ao lote de pessoas que gosta de ver a vida como uma linha recta, de aventura em aventura e que, com a ajuda de algum socalcos no terreno provoca uns tropeções. Mas, com a ajuda da luz que alumia a estrada e como o caminho é sempre em frente, nunca se perde o sentido.

   E esta visão ocupa a grande maioria da minha perspectiva, deixando apenas espaço para as alturas em que me vejo no mesmo exacto ponto que me encontrava antes. Não importa quanto tempo passou entre esse ponto original A e o ponto agora B. Importa que é o mesmo ponto.

   Vejo nessa minoria de tempo que o sentido da viagem é o retorno. Vejo que o ponto A e o B partilham do mesmo espaço mas em universos paralelos separados pelo tempo.

   Vejo que entre o Ponto A e o B existe um pedaço sumarento de vida.

   São na verdade pontos sobrepostos, de alturas e altitudes diferentes e que permitem uma perspectiva única sobre nós próprios porque nos encontramos sempre no ponto mais alto e a olhar para baixo. Poucas situações na vida nos colocam numa posição superior à projecção do nosso ego.

   Podemos não saber quem éramos antes de partir, mas sabermos o que fizemos entre a partida e a chegada ajuda-nos a perceber quem somos agora.


"A viagem é o que o viajante cresceu entretanto. A diferença entre a partida e a chegada é a maturidade".

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ca(r/s)a Lavada


"Entrei e afastei as cortinas. 

O eco dos meus passos seguiu-me pela sala vazia.
Espero que os meus olhos se habituem à luz que há muito que não passa por aqui enquanto encho os pulmões. 

Reina o cheiro a ideias velhas.

Atrofiadas pela humidade e pela falta de visitas, é difícil distinguirem-se as suas formas por baixo dos lençóis que tentaram em vão manter elementos tão frágeis em bom estado de conservação. Foi o tempo - penso eu. Nada mais passa por aqui senão o vazio do tempo e o arrasto que ele trás. 

Não me lembrava deste espaço parecer tão juvenil. Terei crescido assim tanto? 

Reúno a coragem e determinação necessárias e agarro na ponta do lençol mais a Oriente. Mais perto da luz nascente que agora bate na janela. 

No final de contas é a mim que descubro, não serei senão eu a ficar exposto à Luz do Mundo. 

Em contagem decrescente repito para mim: -Vais nascer de novo."

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Quem verdadeiramente é?


" Eu - sem o meu ego a fazer de obstáculo. Totalmente desinteressado de mim mesmo, e das consequências que poderá acarretar esse entregar-me todo nas mãos de quem sou. Tamanha sinceridade só tem por limite Deus.


Mas ousá-lo é bem difícil. Estou tão cheio dos outros! O meu ego timorato acolhe-se nos alvéolos de assumir o que outrem de mim exige, sendo outro outrem dia a dia, ao sabor dos outros. Outros que a mim são iguais nisso de não serem senão outrem: e então, quem verdadeiramente é?"

Lima de Freitas in Diário 20, PP.146-147