Ora, era uma senhora alta, visivelmente pesada e vestia uma batina às bolinhas azuis e brancas, daquelas batinas que conseguem fazer a ponte entre o roupão e o avental de cozinha. Os óculos fundo de garrafa escondiam a mensagem que os olhos já cansados queriam transmitir. Não estava só, vinha acompanhada de uma muleta na mão esquerda e de uma ligadura no respectivo pé.
Feita polícia sinaleira ordenou, mais do que pediu, que parasse o carro em que seguia em pleno Cais de Sodré com a destreza de quem já o tinha feito mais vezes.
Desperdiçou sem hesitar a oportunidade de se apresentar, optando antes pelo que me pareceu ter sido o relatório médico dos últimos anos descrito em 10 segundos. Em suma queria boleia para Cascais. Percebi que já era tarde e que tinha perdido o comboio.
Vamos só... passando a parte difícil de conseguir encaixar uma senhora tão grande num carro tão pequeno, o resto não passaria de um favor a quem precisa...
Ainda não tinham passado 2 minutos e queixava-se novamente porque ainda não tinha comido e pedia que a levasse a qualquer lado para comer.
Pensando no assunto, disse-lhe que eram 23:45 e já não havia quase nada aberto... Disparou de forma demasiado rápida rápida que o McDonalds de Carcavelos ficava a caminho e provavelmente estaria aberto.
Desconfiei da rapidez de resposta.
A verdade é que não tinha argumentos para a contradizer, porque de facto não me lembrava de mais nada aberto àquela hora.
Tudo bem, vamos.
Fazia perguntas, muitas. Demasiadas e demasiado frequentes.
Que é isto? E aquilo? O que é que fazem ali? Onde trabalha? Onde vive? E a namorada? Que idade tem a namorada? Como se chama? No que é que ela trabalha? Já foi aqui? Já foi ali? Onde é que há festas aqui perto? O que é aquilo? Já foi aqui? Conhece isto? Já aqui esteve?
Depois de já polida a paciência, chegamos finalmente ao Mc. Não vos sei precisar quantos carros ao certo estavam na fila, mas fiquei com a nítida sensação de que existem algumas dezenas de pessoas a mais com fome àquela hora.
Tinha de parar a chuva de perguntas, então resolvi colocar a Sra.D. Lúcia no centro da conversa.
Errado!!!
Relatórios médicos novamente. Artrose, infecção repiratória, um peito tirado enquanto o marido a traía com uma amante, queimada por distracção enquanto fazia vapores pela infecção respiratória, bronquite e mais umas quantas coisas que os médicos alegadamente não sabiam o que era mas que estava lá. Garantia da Sra. D.Lúcia!
"Faça aqui o seu pedido" - Salvo pelo gongo! Ou pela voz informatizada do Drive In.
- "O que é que vai ser Lúcia?"
- "O que você quiser"
Pensar a esta hora....
- "Menu Big Mac por favor"
- "Bebida?"
- "Lúcia?"
- "Cocacola."
- "Cocacola"
- "Senhor Ivo?"
- (suspiro) "Diga Lúcia"
- "Posso pedir um gelado?"
??????????????????????
??????????????????????
- "Não D.Lúcia não pode... uma coisa é levá-la a casa desde o Cais de Sodré quando tinha um comboio mais tarde, mas não lhe dava jeito esperar. Uma coisa é alimentá-la porque está com fome, outra coisa completamente diferente é comprar-lhe um gelado que não lhe vai fazer nada bem....
Dinner Packed, lá fomos nós pela estrada fora numa corrida de perguntas e respostas... uma espécie de gato e rato vocabular mas com muitas perguntas repetidas.
Vira aqui, rotunda em frente, cruzamento à esquerda, rotunda em frente, direita ao pé do Jumbo... pode parar aqui.
Ora eu que pensava ter sido difícil encaixar a Lúcia no banco de trás do meu pequeno carro..... ingénuo de mim que não pensei no processo inverso.
- "Sr Ivo posso-lhe dar um beijinho?"
- "Claro que sim!"
- "Sr Ivo, posso ficar com o seu número?"
(Torci o nariz)
- "E para que é que a Sra Lúcia iria querer o meu número?"
- "Para quando precisar de boleia..."
.. .. ..
3 comentários:
ahaha não posso!!!
Podes podes... depois ainda fiquei com peso na consciência porque tive falta de vontade em ter o número da senhora... = \
Verdadeiramente assertiva!!
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