sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Vendedor de orgulho

Não lhe sei o nome, credo ou nacionalidade, mas era fácil de adivinhar que fugira de um qualquer pedaço de terra Africana em busca de subsistência.

É vendedor ambulante e interrompeu a nossa refeição de choco frito com olhos brilhantes e avermelhados, braços tonificados pela graciosa genética e pelo peso da carga que traz consigo que teima em não ser vendida ao preço justo.

A resposta habitual:

-"Não Obrigado, não queremos nada".

O Habitual sorriso complacente de quem não ouve outra resposta há já algum tempo, mas que ainda assim mantém a esperança e, acima de tudo, o grau de esforço.

Vira costas

-"Amigo, queres comer?"

Foi maravilhosamente automática a pergunta, ainda que não tenha saído da minha boca.

Olhei para o que restava da nossa refeição... não ficaria cheio mas havia de facto comida a mais. Eu próprio estava a comer por parvoíce já.

-"Não" - Ouviu-se, contudo a voz não parecia vinda da mesma pessoa em cujos olhos brilhava a aceitação, ainda que imposta pela impiedosa estrada da vida e vida da estrada.

Notava-se ali a voz do fundo, da terra do orgulho e de quem não quer que se confunda a venda ambulante com a esmola àquele que se faz passar por coitado.

Deu três passos em decrescente determinação e arrastou o quarto em jeito de paragem.

Não consigo imaginar o turbilhão de ideias e sensações que lhe terá passado pela cabeça, mas julgo que fome foi uma delas.

Virou-se para nós e respondeu com a assertividade, não de quem perdeu o orgulho, mas sim de quem tem orgulho suficiente em si próprio e no seu bem estar para não desperdiçar uma oportunidade.

-"Quero comer, sim, quero comer."

E daí veio mais um prato,um par de talheres, um trio de sorrisos, uma cola e o silêncio dos dois clientes da mesa do lado que até então só haviam dito merda.

Deixámo-lo a comer descansado, sozinho e decerto mais feliz.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Ola Bom Dia

Estava em Troia a trabalho, e vim "fazer tempo",acabei por vir parar como por acaso a este blogue, e de facto fiquei a gostar!
Este post é muito "bom". Principalmente no cinzento dos dias que hoje correm, estas atitudes são uma agradavel lufada de ar fresco, e as reacções inexperadas podem ser de facto surpreendentes!

Sucesso
Pedro C.